Dansação: eu sou o sussurro daquilo que o Le Parkour é o grito.

Dansação: eu sou o sussurro daquilo que o Le Parkour é o grito.

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Eu quero um estilo de vida onde eu possa dançar, sem parar. Um modo de viver que do espreguiçar na cama ao trocar de um pneu no acostamento da via eu possa dançar — a todo o momento. Uma forma de viver onde ao fazer as coisas eu esteja em constante flow, sem cessar. Um modo de vida onde a lida diária seja antes um alívio do que um peso. Isso é dança. Tudo é dança.

Assim como eu, sei que muitos também almejam encontrar tal estilo de vida dançarino. Mas como diz Charles Peirce, dentro da cultura apenas a estética tem o poder de gerar a ética — ou, em outras palavras, precisamos ter a imagem do que queremos viver para que possamos vivê-lo. Mas onde podemos encontrar este estilo de vida dançarino ao alcance dos olhos e das mãos? Por mais que eu tenha procurado este estilo nos últimos anos, devo lhes dizer que ele inda não está disponível nas prateleiras dos supermercados, nas estantes da Amazon ou nas vitrines do Youtube. Devo confessar-lhes que este sonho de consumo nem sonho ainda é — e pesquisei bastante para concluir isso.

Procurei em revistas e livros, papers acadêmicos e canais de televisão, em panfletos de rua e em recantos sombrios da vastidão da internet. Não existe curso que nos ensine a dançar o dia. Não existe viva alma nesse mundo que pareça viver neste compasso. Sim, os dançarinos, você poderia indagar se valendo da obviedade. Mas você já viu um dançarino profissional comprando baguetes na padaria ou passando um rodo no chão da área de serviço? Entediante. Meramente mundano como eu e você. O mundo é árido. Nenhuma pista do sonhado lifestyle que nos exumaria do senso de ridículo de sair dançando por aí sem propósito aparente.

De todos os preconceitos que temos, talvez o mais “natural” e que menos auto-consciência tenhamos, seja o preconceito do movimento.

 

Você já reparou o estranho desconforto que nos causa observar alguém movendo-se de forma diferente no meio da multidão? Talvez essa nossa repulsa por pessoas que se movem de forma diferente seja a depuração de toda nossa alma preconceituosa. Está aí a radiografia eminente de nossos julgamentos automáticos. Em verdade, não queremos que ninguém se mexa de forma diferente. Muito pelo contrário, admiramos as formações marciais, as massivas geometrias de exércitos de homens meticulosamente alinhados. Esse parece ser o nosso natural sonho como cultura desde a modernidade até hoje.

Apesar desta aridez, uma saída me mantém respirando sem a ajuda de aparelhos. Percebi estes dias, quando quase dormia, que há esperança — e ela se faz viva, mais uma vez, no território da imaginação. Minha ideia fixa de uma vida-dançarina se mantém firme e forte por causa desse instrumento maravilhoso que chamamos “palavra” — a chave-de-fendas da caixa de ferramentas da linguagem. No interim do meu dia e do meu sonho, sonambulamente pensei: e se criasse eu uma palavra para descrever esse ato julgadamente tão nefasto mas potencialmente tão sublime que é dançar os afazeres do dia? Um nome para se rebolar as tarefas diárias, uma sigla para gingar as demandas da vida? Adoro inventar palavras. Tenho feito isso por toda a vida e tem me felicitado a alma tremendamente. Mas como poderia eu chamar esta ação dançante? Este mover-se em regozijo frente ao inesperado do devir que sempre nos acomete nos dias comuns?

Lil Buck - the Memphis' jookin star, also famous for his forays into ballet.

Percebam, não falo aqui da esquiva malandramente. Antes pelo contrário, me refiro ao movimento que não apenas cumpre a tarefa determinada, como presenteia o mundo com um estilo. Falo da eficiência com requintes de liberdade! Esta palavra, portanto, deve enaltecer o ato junto com a dança, o agir junto com o dançar. Deve apontar para o movimento ornamental efetivo que realiza o afazer doméstico e a tarefa cotidiana. Sua nova classe de sentido não deve promover a performance. Nunca incentivar a infindável dicotomia entre palco e platéia, entre o artista e o público. Já está mais do que claro que não estamos falando da dança propriamente dita. Estamos falando, meus amigos, de uma fusão entre a dança e a ação, estamos falando de Dansação.

Dansação é Mindfulness, é Bodyfulness, é Heartfulness.

Sim, eis a libertadora palavra! A dança da ação, a ação da dança! Dansação é sobre efetividade. É sobre o corpo inteiro. Me diga uma coisa: você já cortou cutículas de corpo inteiro? Já assinou cheques de corpo inteiro? Ou dirigiu um carro de corpo inteiro? Ou ainda juntou copos plásticos do chão? Ou lavou as mãos? Ou os pés? Tudo isso de corpo inteiro? De corpo e alma? Pois é disso que falo meus amigos. Dansação é Mindfulness, é Bodyfulness, é Heartfulness. Dansação é viver o movimento incorruptível da vida com o corpo inteiro e com a alma dançarina. Dansação é o ato de um observador-vivente da vida dançante de um novo poeta do cotidiano — e, caro leitor, isso não é punheta. Nem tão pouco sexo oral. É sexo com tudo é ‘sexo total’. Com o corpo e de corpo inteiro!

Procurei a dansação entre os rappersb-boys e breakdancers — esses sujeitos que tão cheios de ginga profetizam uma nova cidade, uma nova possibilidade, uma nova forma de viver, mas que agora passaram a se ancorar em quilates, bundas e carros. Claro que os crioulos autênticos desse dia existem (glória!) mas estou aqui falando de cultura que se embala em massa, meus queridos. Quando generalizamos pelo viés da cultura — daquilo que é dominante — parece que estes sujeitos cheios de movimento, ao mínimo contato com globos oculares ou um com um punhado de views, transformam seu ato em performance. Rodas físicas ou virtuais se montam em torno do breakdancer, que ainda é um performer. Ele aponta para um novo léxico de movimentos do cotidiano, mas sua dança ainda é um show e não um espirro.

MARQUESE SCOTT & POPPIN JOHN, LET Go — 1.7 milhões de views no Youtube

Os movimentos querem ser perfeitos, querem impressionar, querem formar rodas em torno do habilidoso dançarino — que como uma fogueira humana emana calor, luz e inspiração, mas não contagia seu público para que façamos o mesmo dentro de nossas estagnadas vidas de lavanderia e repartições públicas.

Quero ser o sussurro daquilo que o ‘Le Parkour’ é o grito.

A dança que busco não tem a ver com isso. Quero a dança do cotidiano, a quebra de ossos improvisada que felicita a vida, onde o único espectador sou eu mesmo que sibilo e regozijo sem saída. Só dançando. Com minhas pequenas soluções mecânicas coloco a toalha de rosto no suporte da pia enquanto fecho a torneira com certa audácia e no contrapasso lanço a escova de dentes com perfeição dentro do copo de metal. Ponto! Procuro também o score e a perfeição, é verdade. Mas procuro pontos e perfeições diferentes. Busco a perfeição objetiva de uma porta fechando graciosamente sem emitir barulho ou a perfeição de um deslizar com as meias pelo assoalho da sala enquanto caio sentado na beira da mesa posta de café. Aliás colocar a mesa com dansação é uma arte em si. Buscar os talheres na gaveta da cozinha, ordená-los com a precisão de um robô na linha de produção — justo ao lado dos pratos e abaixo dos copos. Eis os guardanapos que como plumas caem sobre a mesa e descansam ao lado da familia dos aparatos de mesa. Logo depois quebro a cena com um giro atrapalhado que me leva a cair sentado na cadeira. Sanduíche caprichado, no melhor estilo dançarino.

Dansação: quero ser o sussurro daquilo que o ‘Le Parkour’ é o grito.

Essa é dança da mudança! É mais um dos antídotos que o mundo precisa. Por ora, não consegui descobrir tal modo de vida disponível para ser seguido, onde o dançar ao fazer não seja visto com maus olhos. Mas para tudo há um começo. Por enquanto faço a minha parte arremessando toalhas de rosto no suporte do banheiro e chegando sapatinho na mesa do café. Mas se você descobrir algum estilo de vida como esse disponível para o consumo, mesmo que seja um destes herdados dos anos 80, não deixe de me avisar! Pegaremos ele e tiraremos um pouco do pó de seu dorso e o usaremos como a forma de expressão dos nossos pés e de nossos filhos. Hastearemos a bandeira dançarina que permitirá nossa (r)evolução dançante e, finalmente, entraremos no compasso das divisões celulares e dos eventos tectônicos. Entraremos no ritmo da natureza e aprenderemos a ouvir a música de Gaia. Estaremos prontos para entender que a tecnologia mais avançada esteve sempre conosco embaixo de nossas narinas e acima de nossos narizes. Encostemos nossos umbigos num afago dançoso. Estamos prontos pra renascer!

Art First

Art First

O software da cultura precisa ser atualizado.

O hardware da cultura evoluiu muito rapidamente, mas o software não. Nosso sistema de crenças está restrito em um universo limitado de possibilidades, enquanto a realidade material está explodindo e expandindo em ordens de grandezas exponenciais. Isso faz com que as necessidades físicas das dinâmicas sociais não possam ser completadas, gerando a frustração, o estresse, a ansiedade extrema e a depressão que vêm assolando toda a humanidade nos tempos atuais.

Precisamos, portanto, de um novo ferramental de conceitos, crenças, histórias, estórias... enfim, possibilidades mais cristalinas e abrangentes para podermos avançar sem tanta fricção. Apenas com isso, poderemos atingir melhores e maiores graus de realização individual e coletiva, pessoal e social.

O dilema do transexual, daquele que "sente-se preso no corpo errado" é apenas um exemplo extremo daquele que sofre pela inabilidade do humano em gerar mais conceitos que abranjam mais situações de alteridade e aleatoriedade. Como Charles Peirce falou "o homem cria signos para viver dentro deles". Se um signo não é criado para que essas "situações outras" possam ser vividas, não temos o ethos necessário para que a "vida em mudança" seja de fato vivida pelas pessoas. Este nosso "mundo em mudança" precisa de mais e mais conceitos em mutação, sobre mutação e mutantes em si. 

Vamos ao exemplo simples da necessidade de colocarmos o nosso companheiro e / ou parceiro rapidamente na gaveta de namorado(a), noivo(a), esposo(a), etc. Esses padrões básicos que regem o aspecto do afeto, da sexualidade e da vida relacional dentro de nossa sociedade são alguns exemplos de conceitos básicos dentro de um espectro de possibilidades que está cada vez mais complexo e sofisticado. Porque nossas cabeças e nosso arsenal sígnico também não acompanham isso? Muitos são os fatores. A começar pela mídia que continua a manipular e nos colocar dentro de caixas. O viés do chefe de redação de ontem é substituído pela ditadura do algoritmo de hoje - ou você acredita que conquistamos algum tipo de liberdade real quando o Facebook se torna o maior distribuidor de notícias do mundo?

Vivemos em uma época de riqueza material e emocional mas de pobreza conceitual. Parte considerável da causa está nesta ditadura dos algoritmos do "mais do mesmo" que passamos a viver em nosso cotidiano cibernético.

Na medida que precisamos nos classificar e classificar nossas relações, nos conceitualizar e conceitualizar nossas relações - e nós somos seres classificadores e conceitualizadores por natureza - as coisas começam a ficar um pouco "duras" pois queremos nos encaixar nos padrões disponíveis e isso muitas vezes simplesmente não é possível. Por isso clamo para que novas classificações e conceitos sejam inventados, sugeridos, discutidos e proclamados tanto em nossa vida privada quanto em nossa vida social. Clamo aos artistas, esses guardiões de todo o tipo de liberdade, para que amplifiquem os conceitos. Façam boa arte a amplifiquem os conceitos. Elastifiquem os padrões e as definições. Este é o papel crucial de qualquer artista que esteja vivo hoje. 

É parte do papel do artista promover esta  atualização do software cultural. Por isso, reafirmo com convicção: 

Tendências Acontecem!

Tendências Acontecem!

Como um bando de jovens brasileiros previu o iPhone anos antes dele existir — e foram ignorados por isso.

No começo de 2015 o iPhone foi considerado o produto mais rentável da história do capitalismo ao prover US$ 18 bilhões de lucro no último trimestre de 2014 para a Apple. Em outras palavras, nenhum produto individualmente gerou mais lucro para uma marca em um período tão curto quanto o iPhone. Hoje a Apple continua sendo uma das empresas mais valiosas do mundo e se existe um protagonista nessa história, podem ter certeza, este protagonista é o iPhone. Que este pequeno monolito tecnológico mudou a vida da humanidade não existem dúvidas. Embora as vendas do iPhone estejam começando a dar sinais de desaceleração, a lógica criada e disseminada por ele e suas ‘simulações’ — os conhecidossmartphones — mudou a maneira como nos comunicamos e nos conectamos para sempre. A tecnologia e a humanidade nunca mais serão as mesmas.

Dois anos antes do iPhone ser anunciado ao mundo e mudar toda a indústria de telefonia móvel (e diversas outras à reboque) um grupo de jovens brasileiros tentava convencer, sem sucesso, a toda-poderosa finlandesa NOKIA — líder absoluta no mercado de telefones celulares na época— de que uma grande ruptura aconteceria no seu setor — e mais — estes jovens davam a cara, o peso e o formato dessa grande ruptura. Não sei ainda se o problema foi a idade precoce dos futuristas envolvidos ou a arrogância típica de um líder absoluto de um segmento, mas o fato é que o futuro chegou e o gigante virou pó. Aqui conto uma parcela desta história pela perspectiva de quem a viveu de dentro.

O nascimento de um ícone.

Novo iPhone 7, a última versão do bem de consumo mais bem sucedido de todos os tempos

Novo iPhone 7, a última versão do bem de consumo mais bem sucedido de todos os tempos

O ano era 2005, éramos bem jovens (alguns de nós não tinha nem 20 anos) e já estávamos fazendo pesquisas de comportamento e tendências há dois anos. Ainda estávamos no começo de nossa jornada como empresa, mas já havíamos feito projetos memoráveis com marcas como Unilever e Ambev e agora estávamos há alguns meses trabalhando em um relatório de tendências a ser apresentado para um novo e poderoso cliente: a NOKIA. Este relatório compilava o resultado final de um projeto de pesquisa e co-criação que na época chamávamos de ‘Design Total’. Neste projeto tínhamos o objetivo de mapear as novas tendências de design para aparelhos celulares e enviar um briefing para a Finlândia, onde ficava a equipe central de design da Nokia. Nossas ideias serviriam para esta equipe desenhar alguns novos modelos de aparelhos para a próxima estação.

Os Celulares e a moda.

No inicio da década passada era assim, os celulares eram muito mais objetos de moda do que qualquer outra coisa. Duravam planejadamente cerca de um ano, tanto pelo estilo quanto por sua resistência física e tecnológica. Com isso, as pessoas tinham de comprar um aparelho novo a cada ano. As pessoas, afinal de contas, precisavam estar na moda e a moda naquele momento eram os celulares clamshell — aqueles aparelhos que abrem e fechavam como uma concha ou como o estojo de maquiagem. O que a Nokia queria conosco era exatamente apontar quais seriam as cores e os materiais destes pequenos estojos de maquiagem e se, por acaso, algum novo formato além do clamshell faria sucesso no próximo ano. Como bons jovens obcecados pelo novo e obcecados em entregar um trabalho além da expectativa para os nossos clientes, nós nos dedicamos alguns pontos acima da média para conseguimos mapear com clareza o que estava se passando na indústria de telefones móveis naquele momento.

Em determinado ponto do estudo percebemos que alguma coisa iria mudar radicalmente na indústria. Na verdade, tínhamos certeza. Junto com as respostas esperadas apresentamos como resultado da pesquisa uma série de cinco concept phones (telefones conceitos) que teriam, segundo a nossa visão, sucesso claro num futuro de médio e longo prazo. O último destes cinco modelos não se tratava apenas de uma proposta nova de form factor(termo usado pela indústria para definir literalmente a forma tangível do aparelho) tratava-se também de uma mudança estrutural nos telefones celulares em si e em todo o negócio das fabricantes de aparelhos. Tratava-se de nossa crença mais profunda. Uma verdade que foi emergindo ao longo do projeto e que não tínhamos como deixar de fora de nossas descobertas.

A Previsão Clara.

Na Pesquisa Efetiva de Tendências não devemos ignorar, jamais, nossa crença mais profunda. Devemos, na verdade, aprender a nos conectar com ela. Qual o real destino que acreditamos para o produto que estamos estudando? Qual será, verdadeiramente, o futuro do mercado que estamos imersos? Ou ainda. Se eu fosse o Presidente da empresa e pudesse dar a ela qualquer rumo, para qual direção eu dirigiria a organização em nome dos consumidores? Em nome de criar um produto realmente definitivo? O produto definitivo naquele caso era aquele último concept phone que apresentamos. Ele significava uma mudança no paradigma dos telefones celulares e, por isso, demos carinhosamente a ele o nome de AIKON — que é NOKIA ao contrário.

O AIKON convergia quatro importantes tendências em um único aparelho.

  1. A primeira é a de que ele seria um candy bar. Ou seja, ele seria um telefone em formato barra em um momento onde 85% dos telefones pertenciam ao grupo de design ‘estojo de maquiagem’, incluindo o Motorola Razr que era um fenômeno de vendas na época e um dos maiores sucessos de venda da história da telefonia móvel até ali.
  2. Em segundo lugar, o AIKON seria o mais indestrutível possível. Assim ele não seria trocado todo o ano. Não preciso nem dizer que essa característica torceu o nariz de muitos executivos da NOKIA, mas a ideia fazê-lo resistente o suficiente para que só algumas partes de seu hardware e software fossem atualizados ano a ano nos parecia elegante e conectada como os novos valores de sustentabilidade que apenas começavam a emergir.
  3. A terceira tendência pedia que o AIKON tivesse uma tela touchscreeninteira em uma de suas faces. Nos baseamos no design conceitual do russo Roman Kriheli que havia ganho o Russian Design Innovation Awards em 2005 apresentando um concept phone com uma tela inteiramente touchscreen. Naquela data nenhum aparelho dispunha dessa tecnologia embora, naquele ponto, nos parecesse a evolução óbvia das telas e dos celulares.
  4. A quarta e última tendência que compunha o conceito de nosso telefone era talvez a mais radical de todas. Era a ideia de que a NOKIA, acima de tudo, precisaria se tornar uma empresa de software. A ideia era de que a característica principal daquele telefone seria, na verdade, os programas que operariam dentro dele. Uma boa ideia já que o teclado poderia se moldar de inúmeras formas ampliando as funções do aparelho. Poderíamos transformar as “teclas” do telefone em relógios, music playersjoysticks etc. Era uma ideia mágica. Além disso, a visualização de videos e textos também seria ampliada em muito na experiência de uma tela que tomaria toda a face do aparelho. A única coisa importante era atualizar o software e talvez o hardware de tempos em tempos.
Design de Roman Kriheli campeão do Russian Design Innovation Awards em 2005

Design de Roman Kriheli campeão do Russian Design Innovation Awards em 2005

 

O conceito do AIKON era, portanto, um candybar touchscreen indestrutível cujo o software era seu coração. Esta foi a nossa entrega principal para a NOKIA naquele estudo. Era, de fato, nossa crença mais profunda. Tinhamos tanta confiança naquele caminho que tinhamos a certeza de que um produto semelhante já estava nopipeline de desenvolvimento da NOKIA em algum lugar. Ledo engano. A NOKIA não só estava distante desta visão, como a justificativa de alguns de seus principais executivos para a nossa proposta era a de que aquilo era ficção científica. Defendiam que a tecnologia touchscreen não era boa o suficiente para substituir um teclado tradicional e que o custo para o consumidor final seria tão absurdo que ninguém pagaria por aquilo. Respostas prontas. Hoje entendo que “ficção científica” é a desculpa que executivos sem criatividade dão para projetos ambiciosos de inovação.Também aprendi que na verdade quem vive numa ficção são as corporações que criam verdades para si mesmas pautadas na “ciência” dos números em troca de um ambiente ilusoriamente controlado para que seus executivos façam crescer os tais números enquanto perdem o senso de maravilhamento que geralmente guia o empreendimento da inovação levando todos nós a um novo patamar.

Exatamente um ano depois, em janeiro de 2007, Steve Jobs subiu ao palco em São Francisco para apresentar a maior ruptura da história recente da indústria de telefonia móvel e aquilo que viria a ser o maior ícone tecnológico da era digital: o iPhone. Lembro-me como se fosse hoje. Estava de férias em um resort na Costa Rica quando tomando um drink na beira da piscina olhei a grande televisão no saguão do hotel. Lá estava Steve Jobs no noticiário. Atrás dele, no imenso telão da sala de conferências, um pequeno monolito preto. Minha espinha gelou e fiquei arrepiado. Larguei o drink e fui em direção a televisão. Quando chegava perto e estava começando a entender do que se tratava o noticiário mudou para um campo de batalha qualquer no oriente médio. De noite fui atrás de mais informações na internet. Era a apresentação do primeiro smartphone ao grande público. Um momento histórico.

De qualquer maneira, de uma forma ou de outra, eu sabia exatamente do que se tratava aquele estranho dispositivo atrás de Jobs. Ao mesmo tempo, fiquei melancólico por não fazer parte da construção e do anúncio daquela impressionante invenção que eu, junto com meu time de pesquisa, já sabia que mudaria tudo. As coincidências entre o iPhone e o conceito do AIKON até hoje me inspiram uma espécie de orgulho e uma certeza irrefutável naquilo que é a crença fundamental da BOX1824 e de parte dos estudos que desenvolvi nos últimos 10 anos: Tendências Acontecem!

Steve Jobs apresentando ao mundo o primeiro iPhone no ano de 2007

Steve Jobs apresentando ao mundo o primeiro iPhone no ano de 2007


Texto também publicado no Medium do Autor

Arqueologia do Amor, mais alguns fragmentos.

Arqueologia do Amor, mais alguns fragmentos.

Seguindo com o nosso trabalho na Arqueologia do Amor - que é este delicioso labor de bisbilhotar os arquivos históricos e contemporâneos da humanidade em busca das expressões do Amor Autêntico - eu gostaria de compartilhar um fragmento especial retirado do lindo artigo "A busca pela manifestação genuína do eu" do meu amado amigo Rodrigo Cunha. O artigo trata da Filosofia da Liberdade de Rudolf Steiner e mais para o fim ele, obviamente, envereda pelos caminhos do amor. Seguem então as precisas e preciosas palavras esculpidas nesse belo artigo sobre essa sentimento e força universal.

Land Art por Andreas Amador

Land Art por Andreas Amador

Nunca é demais falar de amor. Aqui não vamos falar da visão romântica de amor, mas de uma visão ampla, conforme entendimento da Grécia Antiga, que o dividia em pelo menos seis variedades:
1. Eros — ligado ao prazer sexual e ao desejo
2. Philia — ligado à amizade ou mesmo ao amor entre pais e filhos
3. Ludus — ligado à afeição divertida entre crianças ou jovens amantes
4. Agape — amor abnegado, estendido à varias pessoas (foi traduzido para o latim como caritas)
5. Pragma — amor maduro entre casais de longo casamento
6. Philautia — auto-amor, dividida entre narcisismo (não saudável) e uma versão mais ligada a segurança. “Se você gosta de si mesmo e sente seguro em si mesmo, você terá amor suficiente para dar aos outros.“Todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo.”
Nesta visão ampla, uma ação genuína — que tem a ver com a vontade individual, despertada por um pensar intuitivo a partir da observação pura — se transforma em um transbordamento de amor.
“Amar é um recipiente que quanto mais você esvazia, mais ele se enche.” (anônimo)
Numa relação, é importante observar o outro como uma extensão do eu. Sem o outro, não há um eu. Isso abre um portal de entendimento e diálogo poderoso, pois para compreender você, tenho que absorver os conceitos que  usa para se autodeterminar. Preciso me despir, tirar o filtro, o véu, o piche, até chegar nas ideias comuns. Uma individualidade só é possível se cada individualidade sabe da outra por meio da observação individual.
“A garantia única é que nasci.
Tu és uma forma de ser eu.
E eu uma forma de te ser.
Eis os limites da minha possibilidade.”
(Clarice Lispector)
No limite, o que Steiner propõe é que a liberdade só pode emergir quando o indivíduo se manifesta na sua plenitude.
Toda nossa tradição e passado nos traz amarras: nossa família, país, grupo étnico, religião, trabalho, amigos etc, causam impressões mentais que moldam nosso comportamento. Agir de acordo com este comportamento inconsciente é o oposto da liberdade.
Qual a sua manifestação individual? Qual sua ação genuína no mundo? Somente quando realizamos nosso potencial como indivíduos únicos é que seremos livres. É uma (bela) busca que leva uma vida. E só quando vamos em busca da liberdade é que podemos de fato chegar perto desta liberdade. Meio óbvio. Mas tão óbvio quanto seria a gente parar para pensar no nosso pensar.
No fundo, a busca pela individualidade dentro do todo, é a manifestação da essência do eu. Uma essência buscando a manifestação livre do espírito. Um voo em busca da manifestação genuína e pura num mundo repleto de pensamentos e vontades milenares. O espaço livre do “um” que se manifesta no exterior só emerge a partir do interior. Então, a liberdade é um pulsar infinito de dentro para fora e de fora para dentro.